O olhar para a vida e o problema do sofrimento


Atribuímos “sofrimento” a qualquer incomodo físico, emocional ou mental que possamos enfrentar ao longo da vida.

O sofrimento é aquilo que imputa ao ser humano, a sensação de dor e fracasso, ou de falha no seu objetivo de felicidade. Sofrimento e dor são coisas diferentes.

A dor é causa, e o sofrimento consequência.

Porém entre o sofrimento físico e o mental, é o sofrimento da mente o que mais determina o bem-estar humano. Quando o corpo não sofre, não lembramos dele, porém, o sofrimento da mente deixa sua marca e reflexo, mesmo quando ele faz parte do passado, por menor que ele seja.

O que nos é imposto desde sempre, é que toda existência tem seu o próprio objetivo, e cabe a nós cumpri-lo.  E o resultado disso, deverá ser sempre bom, pois significa a completude e a felicidade. Assim, passamos todos os nossos dias em busca dessa tal realização e de provar que podemos alcança-la.

Além do mais, vivemos no entendimento de que existem duas forças, com as quais lutamos com bravura. O Mal, do qual devemos nos afastar e evitar, e o bem, pelo qual devemos nos esforçar para praticar.

Também temos padrões e formatos de felicidade baseados na aceitação que recebemos do mundo, representado nos pais, ou na família. É como se o pai e a mãe, fossem para nós validadores da nossa importância em relação ao mundo, e quando isto de alguma maneira não acontece, automaticamente e inconscientemente, achamos que perdemos o direito sobre a felicidade, como se fosse um “carma”.
A grosso modo, os pais, ou o ambiente social em que vivemos, impõem o “carma” sobre nós, e “determinam” se seremos felizes ou não. Isto por si só já causa angústia. 

Além disso,  o " tipo de Deus" concebido pelo cristianismo e incutido em nosso inconsciente como um ser bipolar, que passa o tempo todo aprovando e desaprovando, atribuindo-nos  bem e mal,  ou julgando-nos “merecedores”, e imputando o fardo do sofrimento pela culpa diante das nossas falhas, causa um imenso, profundo e enlouquecedor sofrimento. ( Causa frequente para o inicio do quadro de Transtorno obsessivo compulsivo e ideias paranoicas).

Assim, nossa luta para afugentarmos tudo o que seja semelhante ou sinônimo de "sofrimento", "angústia", "tribulação", "adversidade", ou "dificuldade, passam a ser a premissa na vida de qualquer ser humano. Vira desespero!

Uma pessoa que se sente rejeitada no seu núcleo familiar, ou nos convívios sociais, passa a viver como reflexo dessa própria rejeição, mesmo que essa rejeição seja apenas um sentimento e sensação de sua imaginação, ou ainda, resquício de lembrança de um fato passado.

💡Sendo assim, o sofrimento não seria realmente relativo ao olhar de quem o vê e o afere a sua existência como fato real?

Sim, na maioria das vezes, exceto nos casos em que o sofrimento se refere aos adventos já rotulados para nossa consciência como dor, como a perda pela via da morte, por exemplo, ou a dor do corpo físico, que também funciona como alarme e reflexo.

Alguns filósofos discorreram sobre o problema do sofrimento com o desejo de compreensão e de conhecimento de um caminho que trouxesse alívio da dor.

Sartre, com a afirmação de que a vida é uma náusea; Schopenhauer com o discurso
onde declara que a realidade tem dois aspectos, vontade e representação, sendo a primeira a força cega encontrada em todas as coisas e a representação, a construção da realidade em nossa mente, ou seja, a maneira que encontramos para dar um sentido a todas as coisas que nos cercam; Nietzsche, que afirmava que o sofrimento era uma forma de oportunidade valiosa para o crescimento do espírito e percepção humana, portanto, deveria ser bem vindo; Kierkegaard, que fala do sofrimento como um “botão acionador do paradoxo”, que é a fé, e que liga intimamente o homem ao divino.

Em todo o caso, a busca pela compressão do significado do sofrimento, é, e continuará sendo sempre subjetiva, pois aquilo que se afigura como sofrimento para mim, nem sempre é para o outro, o que nos mostra que, o sofrimento existe, antes de tudo, como representação dos pesos e importâncias pessoais diante daquilo que nós mesmos atribuímos para nós como dor.

No caso da morte de alguém a quem amamos muito, por exemplo, a certeza da separação e de que não mais veremos e conviveremos com a pessoa, nos faz sofrer.
E sofrer pela ausência é algo inevitável. No entanto, até este tipo de sofrimento pode ser amenizado, se realizamos que para aquele que foi levado pela morte, a partida foi a melhor coisa que poderia acontecer. Neste caso, relativizamos o sofrimento no sentido da aceitação que faremos dele. E apesar de que a dor da ausência continua, ela prossegue “apaziguada” e conformada pela lógica do bem que causou àquele que partiu.

💠Observe que a simples mudança de perspectiva, muda a forma e a intensidade do sofrimento.


O mesmo acontece diante do fim de um amor que nos fazia mais mal do que bem. Relativizamos a dor, pelo alívio e esperança de que aquele fim nos trouxe o bem, que “merecemos coisa melhor”,  E isto nos serve de consolo aliviado.

👉É este sofrimento que é relativo à maneira como enxergamos os fatos e acontecimentos, que qualquer pessoa, em qualquer tempo, pode aprender a detectar e amenizar.

Então, se algumas cargas e dores podem ser evitadas, como posso mudar a maneira como eu vejo os adventos pelos quais eu passo na minha existência, e que não necessariamente devem me imobilizar na rede do sofrimento?

 Detectar e diminuir o grau de autocomiseração, é um caminho certo para livrar-se de sofrimentos desnecessários. Quando tenho pena de mim mesmo, posso me viciar no sofrimento, como uma maneira de chamar atenção de outros sobre mim. Quem se vicia em sofrimento, não deseja sair dele, mas alimentá-lo a ponto de continuar mantendo-se vítima de si mesmo e daquilo que chama de sua dor. No entanto, só quem sofre, neste caso, é a pessoa que se mantém na autocomiseração.
Preste atenção nos seus sentimentos e detecte na sua rotina todas as vezes que sente “pena” de si, seja pela via do comportamento dos outros com você, a maneira que gostaria de ser tratado e nem sempre é , ou pela via dos sentimentos de solidão, incapacidade ou de falta de reconhecimento. Você verá que diminuindo o grau de autopiedade, a tendência do sofrimento desnecessário também reduzirá.


Saiba que não é o sofrimento que causa a dor, mas a dor que causa sofrimento – Enxergando assim, facilitará muito entender que coisas, pessoas, fatos e acontecimentos, só terão o peso que nós mesmos atribuirmos a eles. Procure avaliar diante dos fatos rotineiros e inesperados da sua vida, quais são os que tem real importância.
Normalmente aferimos importância a coisas que fazem parte dos nossos caprichos, vaidades pessoais, orgulho, projeções, desejos e ilusão de realidade.
Por exemplo, uma pessoa que foi muito pobre, e consegue conquistar muitos bens, sofrerá terrivelmente mais ao “perder” algo que signifique a idealização do status alcançado, do que quem nunca passou pelas mesmas situações de privação. Porém, mesmo que essa “perda” carregue significado mais profundo traumático, ela pode ser reavaliada por um ângulo bom, de que é saudável recomeçar e reconstruir.


Tudo tem em si a possibilidade de ser observado por ângulos diferentes. Assim, atribuir ao sofrimento o olhar correto, nos salva dos excessos.


Evite remoer as lembranças e fatos desagradáveis – Diz o ditado que “quem conta um conto, aumenta um ponto”. Isto acontece também quando contamos a nós mesmos de maneira repetida e recorrente, a mesma história de dor, ou rejeição, e atribuímos a ela os mesmos sentimentos de amargura e ressentimentos como no ato do acontecimento passado. Isso hiperdimensiona qualquer sofrimento.

💠Ressentir-se, é colocar novamente a dor no colo, a fim de mantê-la e alimenta-la como se fosse algo de sua estimação. 



É necessário entender que o sofrimento não é infelicidade, mas algo natural, que faz parte da vida, e que vêm em determinadas circunstâncias, inesperadas ou consequentes.


 Esta existência não nos promete alegrias e nem uma vida sem dor, cheia de estabilidade e certezas. Nós mesmos é quem projetamos isto para nós, através dos modelos sociais padronizados.

Quando falo de dificuldade, sempre lembro de um ensinamento de Jesus quando disse que aqui nesta vida a gente teria que passar por muito sofrimento. Mas que o segredo estaria em manter nosso ânimo bom, sem se entregar abater ou deprimir, E ele diz que a nossa esperança deve ser sempre a de saber que como ele, nós também poderemos vencer estas dificuldades.

Para mim fica claro que o sofrimento ou aflição é parte integrante da vida, e que não há como evitar, mas sim transformar o olhar e o peso que é dado a ele, como também é possível, pela transformação de nosso estado de ânimo altera-lo, a fim de lidar melhor com as circunstâncias de sofrimento.

Quando colocamos diante de nós a perspectiva de que o que nos acontece de maneira aparentemente boa, é lucro e ganho, entendemos que sofrer pode ser “bom”, se entendemos o fruto que produz. 

Passamos então da vitimização para a gratidão, pois sabemos que a vida nos trará os dois lados da moeda, e podemos escolher o tamanho que daremos aos acontecimentos que trazem o sofrimento.


Ninguém pode passar na vida sem sofrer, mas podemos colocar a energia do sofrimento no lugar certo.


Conclusão:
  • Dor é a causa, e o sofrimento é a consequência.
  • O sofrimento da mente é o mais impactante para o bem-estar humano.
  • Existe a ideia de que toda existência tem seu próprio propósito.
  • A influência dos pais e do ambiente social molda nossa percepção de felicidade.
  • O conceito de Deus no cristianismo pode gerar sofrimento.
  • Filósofos abordaram o tema do sofrimento de maneiras diversas.
  • O sofrimento é subjetivo e varia de pessoa para pessoa.
  • Mudar a perspectiva pode alterar a intensidade do sofrimento.
  • É possível amenizar o sofrimento ao mudar a forma de encarar os eventos.
  • Detectar e reduzir a autocomiseração ajuda a evitar sofrimentos desnecessários.
  • A importância atribuída a eventos influencia a intensidade do sofrimento.
  • Evitar remoer lembranças desagradáveis pode reduzir o sofrimento.



Ana D´Araújo

www.anadaraujo.com.br








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